quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia da Poesia/ Dia da Floresta


 
As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga, Herbário

 

terça-feira, 19 de março de 2013

A Primavera


Namorou-se uma princesa
Dum pajem loiro e gentil;
Chama-se ela - Natureza,
Chama-se o pajem - Abril.
 
A Primavera opulenta,
Rica de cantos e cores,
Palpita, anseia, rebenta
Em cataclismos de flores.
 
O olhar d'oiro das boninas
Contempla o azul: ao vê-las,
Dir-se-ia que nas campinas
Caíram chuvas d'estrelas.
 
Entre as sebes orvalhadas
Dos rumorosos caminhos
As madres silvas doiradas
Tapam as bocas dos ninhos.
 
Os negros melros farsantes
Dão risadas zombeteiras
Dos loureirais verdejantes
Nas luminosas trapeiras.
 
A gentil, mimosa Flora
Abriu os olhos ideais;
Os seus pés da cor da aurora
Andam nus sobre os trigais.
 [...]
 
Tudo ri e brilha e canta
Neste divino esplendor:
O orvalho, o néctar da planta,
O aroma, a língua da flor.

Enroscam-se aos troncos nus
As verdes cobras da hera.
Radiosos vinhos de luz
Cintilam na atmosfera.
 
Entre os loureiros das matas,
Que crescem para os heróis,
Dá o luar serenatas
Com bandas de rouxinóis.
 
 
É a terra um paraíso,
E o céu profundo lampeja
Com o inefável sorriso
Da noiva ao sair da igreja.

Guerra Junqueiro
Tesouro Poético da Infância , Colares editora